A Luta Pelo Título Coletivo

O governo brasileiro reconheceu o direito das comunidades quilombolas de ocupar coletivamente seus territórios há cerca de 40 anos, por meio do artigo 68 das Disposições Transitórias da Constituição Federal de 1988. No entanto, os povos quilombolas continuam a enfrentar barreiras significativas em seus esforços para obter o título coletivo de suas terras. Os quilombos de Alcântara não são alheios a essa dura realidade. 

Com uma decisão judicial pendente na Corte Interamericana de Direitos Humanos - uma consequência do deslocamento forçado de 32 comunidades quilombolas em 1986 pela construção de um Centro de Lançamento Espacial na região - a luta continua!

Centro de Lançamento Espacial de Alcântara, Alcântara, Maranhão © 2024 Getty Images

Titulação Coletiva: Uma Promessa Não Cumprida

De acordo com uma ficha informativa da Terra de Direitos, intitulada Titulação quilombola (2024), se o governo brasileiro continuar no ritmo atual de concessão de títulos aos territórios quilombolas, levará 2,708 anos para “titular completamente os 1,857 quilombos com processos abertos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária” (ou INCRA), órgão federal responsável pela regularização fundiária quilombola. Até 2024, apenas 57 territórios foram parcial ou totalmente titulados pelo INCRA desde que os direitos de propriedade dos povos quilombolas tradicionais foram formalmente reconhecidos pela Constituição Federal de 1988. Dos 54 territórios que receberam título, 33 receberam um título parcial, o que significa que o título se aplica apenas a uma área do território ao qual a comunidade quilombola tem direito pleno. Em resumo, “24 deles têm o título de 100% da área”. O boletim explica que “A estimativa não contabiliza processos de regularização fundiária quilombola de atribuição de estados e municípios ou de comunidades que não tiveram certificação da Fundação Palmares (FCP), [um órgão financiado pelo governo federal que promove a cultura afro-brasileira, incluindo a certificação de territórios quilombolas] e, portanto, não deram entrada no processo administrativo no Incra". 

Muitos obstáculos têm impedido as comunidades quilombolas de obterem acesso legítimo aos seus títulos de terra coletiva. Por exemplo, as inúmeras etapas do processo de titulação de terra, notadamente a certificação do território, sua identificação e demarcação, reconhecimento, declaração de interesse social e, finalmente, titulação, tornam o processo longo, imprevisível e burocrático. Além disso, as gerações de racismo institucional enraizadas na história colonial e escravocrata do Brasil tornam as estruturas de posse de terras entre habitantes não-brancos e brancos do Brasil inerentemente desiguais.

© 2024 Terra de Direitos

Desenvolvimentos Recentes

Em uma decisão histórica em setembro de 2024, o governo brasileiro e entidades Quilombolas chegaram a um acordo relativo ao uso da Base de Lançamento de Alcântara (CLA) e à proteção dos direitos das comunidades locais, ou seja, das 152 comunidades Quilombolas remanescentes em Alcântara, Maranhão, que foram diretamente impactadas pela criação da CLA na década de 1980. 

O pacto foi anunciado no dia 19 de setembro no Maranhão, com a presença do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Seu objetivo é pôr fim a 40 anos de disputas entre o Estado brasileiro (a Força Aérea Brasileira e o Ministério da Defesa), que alegavam a necessidade de preservar terras em Alcântara para a potencial expansão do programa aeroespacial do Brasil, e as comunidades Quilombolas de Alcântara, que reivindicam laços históricos com a terra da qual dependem para sua subsistência e saúde comunitária. Você pode saber mais sobre os detalhes desse acordo no StoryMap da Linha do Tempo abaixo [fonte].

Você pode aprender mais sobre as complexidades deste acordo no StoryMap da Linha do Tempo abaixo.

© 2024 Terra de Direitos

"Quando o estado nos encontrou, vivíamos da titulação coletiva. Vivíamos em harmonia... Por isso, a sociedade, a juventude, precisam participar. Porque o futuro só será incerto quando você não souber o que fazer... Nós, eu acho que os alcantarenses, somos um povo resiliente, sabemos esperar."

– Inaldo Faustino Silva Diniz, São Raimundo Community Leader & Elder


Quarenta Anos de Resistência à Expropriação de Terras: Um Legado Colonial Profundo

A região de Alcântara, localizada no estado nordestino do Maranhão, Brasil, que foi anteriormente habitada pelos Povos Tupinambás, tem uma história de colonialismo europeu que remonta ao século XVII. De uma economia próspera baseada na escravidão no século XVIII a um mercado de plantações em declínio no século XIX, Alcântara experimentou a fuga de brancos portugueses no final do século XIX. Esse fenômeno levou à formação de vários grupos sociais autônomos, hoje conhecidos como Quilombos, que foram deixados para trás pelos senhores de engenho. 

Conhecidos por nossas culturas e modos de vida coletivistas baseados na terra, nós, os Quilombos de Alcântara, vivemos afastados da intervenção ou apoio do governo até a década de 1970, quando o exército brasileiro começou a reivindicar partes do território, deslocando assim muitas de nossas comunidades quilombolas de suas casas. Em 1980, o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) foi aprovado para construção na região sem consulta ou consentimento prévio de nossas comunidades locais, levando em 1986 à sua construção e ao deslocamento forçado de 32 de nossas comunidades quilombolas (mais de 300 famílias), sob o pretexto de uma retórica de segurança nacional. A localização do CLA foi escolhida devido ao clima previsível, ao oceano aberto e à sua distância de 169 milhas do equador, onde a Terra gira a uma velocidade maior [fonte]. Esses 502 deslocados foram reassentados em áreas próximas ao CLA chamadas “Agrovilas” para viver em casas construídas pelos militares, onde o cultivo de alimentos e a pesca se tornaram quase impossíveis. 

Em resposta a essas violações dos direitos humanos, movimentos sociais começaram a se formar, enquanto a Constituição Federal de 1988 garantia o direito à titulação coletiva dos territórios quilombolas em todo o país. Em 1989, a Resolução 169 da Organização Internacional do Trabalho reconheceu os direitos territoriais dos povos indígenas e tribais, enquanto em 2003 o Presidente Lula promulgou o Decreto 4.887 de 2003 to establish procedures leading to the granting of the collective title. It is, however, not until 2020 that ILO acknowledged that the right of Quilombola communities to Free, Prior, and Informed Consent had been violated through the approval and construction of the CLA. 

Em 2020, o governo brasileiro anunciou em decreto its plan to expand the CLA by over 30,000 acres, which could lead to the displacement of over 2,100 peoples from communities in the regions, which have been founded hundreds of years ago by their escaped enslaved and freed ancestors [fonte]. A case at the Inter American Court of Human Rights concerning the human rights violations committed by the government on Quilombola Communities of Alcântara has been pending for a decision since 2023. The precedent-setting decision shall be taken in 2024.

Lideranças quilombolas de Alcântara levam caso histórico contra o Brasil à Corte Interamericana de Direitos Humanos no Chile em 2023 © 2023 IAHR arquivo do Tribunal

Quilombolas discutem Convenção 169 da OIT em Alcântara, Maranhão © 2024 Davi Pereira Júnior

Ministros brasileiros em visita aos quilombos de Alcântara no Quilombo de Canelatuia, Alcântara, Maranhão © 2024 Cat Diggs

Centro de Lançamento Espacial de Alcântara, Alcântara, Maranhão © 2024 ASCOM / MCTIC Photo / Odjair Baena

Sobre o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA)

Embora o Centro de Lançamento de Alcântara, ou CLA, tenha sido iniciado em 1986, uma agência espacial no Brasil já havia sido estabelecida anos antes durante a ditadura militar do país, que terminou formalmente em 1985. A desocupação de terras para o CLA começou em 1980, seis anos antes da construção da instalação, levando a uma primeira onda de deslocamentos em massa entre as comunidades quilombolas de Alcântara. A proximidade de Alcântara com o equador e o oceano a torna um local ideal e econômico para lançamentos espaciais, tanto domésticos quanto internacionais, levando o governo brasileiro a desenvolver várias estratégias para remover comunidades quilombolas de nossas terras, em vez de honrar nossos direitos constitucionais de ocupar tradicionalmente nossos territórios.

Destroços no Centro de Lançamento de Alcântara após a explosão do VLS-1 V03 em 2003, Alcântara, Maranhão © 2024 Agência Brasil

Imagens de arquivo dos lançamentos do Centro de Lançamento de Alcântara, Alcântara, Maranhão © 2024 Brazilian Air Force

Os Danos Ambientais Não Monitorados Causados pelo Centro de Lançamento Espacial

O Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) está situado próximo à costa, e sua construção deslocou várias comunidades quilombolas ao longo do litoral. Segundo Danilo Serjo, advogado e autor quilombola, a falha do governo em realizar uma avaliação de impacto ambiental do CLA os levou a ignorar completamente os impactos negativos que a construção do CLA causou nos meios de subsistência de nossas comunidades quilombolas, cujo deslocamento forçado para regiões desconhecidas de Alcântara ameaçou sua segurança alimentar, sua capacidade de subsistir da terra e seu senso de identidade cultural.

Os benefícios econômicos prometidos pelo CLA não justificaram a destruição social e ambiental causada por sua construção. Na verdade, 56% dos moradores de Alcântara ainda vivem abaixo da linha de pobreza, apesar de mais de 30 anos desde a construção do centro. A rejeição do presidente Bolsonaro à ajuda do G7 para proteger a soberania do Brasil durante os incêndios na Amazônia em 2022 contrasta fortemente com sua disposição de entregar o controle do CLA aos EUA. Alguns críticos destacam disposições no acordo de 2019 entre Trump e Bolsonaro que dariam aos EUA o poder de restringir o acesso à base e permitir o armazenamento de materiais radioativos e outras substâncias nocivas no CLA sem o consentimento do governo brasileiro [fonte]. 

O incidente no Centro de Lançamento de Alcântara em 2003, onde uma explosão de foguete matou pelo menos 21 pessoas, destaca os riscos humanos e ambientais associados às ambições espaciais do Brasil [fonte]. A negligência do governo em relação às questões de deslocamento quilombola e sua supervisão ambiental inadequada sobre o CLA levaram a problemas sistêmicos, incluindo a falha em reconhecer nossos direitos territoriais quilombolas e em abordar a degradação ambiental causada pelo CLA, como a contaminação das águas oceânicas e da vida marinha das quais dependemos há gerações para nossa subsistência e meios de vida.

Principais Atores Na Luta

Although the struggle for collective land title encompasses several groups and entities, the following four organizations have been leading the charge in the Quilombola social movements of Alcântara to assert their right to collectively occupy their lands. To learn more about these organizations, visit the Sobre Nós page.

Encontro comunitário no Centro de Conhecimento de Canelatuia, Alcântara, Maranhão © 2024 Davi Pereira Júnior

ATEQUILA

A Associação do Território Étnico de Alcântara foi fundada em 2018 para receber o título coletivo de terra de suas comunidades, garantido pelo governo brasileiro. A ATEQUILA representa cerca de 156 comunidades, das quais 71% ocupam a região de Alcântara.

Diretor do MABE fazendo apresentação em plenária na cidade de Alcântara, Maranhão © 2024 Davi Pereira Júnior

STTR

O Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Alcântara (STTR) foi fundado em 1971 para defender as comunidades quilombolas contra o deslocamento e as violações de direitos humanos, e deu início a um movimento social na região.

Trabalho em grupo durante reunião plenária na cidade de Alcântara, Maranhão © 2024 Davi Pereira Júnior

MABE

O Movimento das Pessoas Atingidas pela Base Espacial de Alcântara (MABE) foi fundado em 1999 pela líder comunitária quilombola Dorinete Serejo Morais. Ele trabalha para organizar as comunidades quilombolas diretamente impactadas pelo Centro de Lançamento de Alcântara.

Reunião do MOMTRA na Cidade de Alcântara, Maranhão © 2024 Cat Diggs

MOMTRA

O Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais de Alcântara (MOMTRA) foi fundado formalmente em 1992 e coloca a igualdade de gênero e a saúde das mulheres no centro da luta pelos direitos territoriais e identidade nas comunidades rurais e, mais recentemente, urbanas em Alcântara.

Linha do Tempo dos Quilombos de Alcântara

Abaixo está um cronograma detalhado dos eventos complexos e interligados que moldaram os cenários sociopolíticos dos Quilombos de Alcântara.

VOCÊ PODE ENCONTRAR A VERSÃO EM INGLÊS DESTE STORYMAP DO LINHA DO TEMPO NESTE LINK.

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